A luta antirracista ganhou centralidade no debate sobre o novo PNE (Plano Nacional de Educação).
Uma consulta pública realizada entre maio e junho de 2025, organizada pela Frente Parlamentar Mista Antirracismo do Congresso Nacional, revelou que a formação de professores antirracistas é a principal demanda da sociedade civil para os próximos dez anos da educação brasileira. O resultado está sistematizado no Caderno PNE Antirracista, que reúne mais de 400 propostas elaboradas por movimentos negros, indígenas, quilombolas, conselhos sociais e educadores de base.
“O racismo exclui saberes e dificulta a permanência de estudantes”, alerta o documento. Na mesma direção, a ACP (Sindicato Campo-grandense dos Profissionais da Educação Pública) reforça seu compromisso histórico com a promoção de uma educação pública antirracista, plural e democrática. Para a entidade, o combate ao racismo na escola passa, necessariamente, pela formação inicial e continuada dos/as profissionais da educação.
A professora Eva Luciane Assis de Souza, especialista em Educação e membro do Coletivo de Combate ao Racismo da ACP, reforça que a presença da pauta antirracista no novo PNE representa um avanço significativo. Para ela, “o fato de esta reivindicação ter sobressaído para o novo PNE tem que ser visto como um movimento positivo, pois percebe-se uma preocupação maior dos dois lados que compõem o chão da escola: os que sofrem o racismo e os que alegam não saber lidar com os atos vivenciados cotidianamente”.
Eva também ressalta que essa mobilização demonstra que o debate não está restrito apenas aos afrodescendentes: “Temos um avanço por não ser uma solicitação somente dos afroascendentes, e sim uma mobilização mais efetiva de todos, principalmente das pessoas não negras”.
A professora Eugênia Portela, doutora em Educação pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), docente da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e membro do Coletivo de Ensino e Pesquisa da ACP, aponta que, mesmo após duas décadas da promulgação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que inserem o ensino da história e cultura afro-brasileira, africana e indígena no currículo escolar, a realidade nas escolas brasileiras ainda está longe do que determina a legislação.
Segundo ela, essas leis “promovem um deslocamento epistêmico de um conhecimento que historicamente focou e valorizou o branco europeu, o colonizador”, mas sua aplicação ainda é frágil.
Eugênia chama atenção para as marcas cotidianas do racismo na educação infantil. “A criança cresce num mundo que é branco, e o valor é dado para essa branquitude. Os apresentadores de TV são brancos, as bonecas são brancas, os brinquedos, as princesas, os livros didáticos também. A criança branca cresce com essa referência de que ela é superior. É um abalo psicológico para essas crianças desde a infância, lá na primeira infância”.
Na avaliação do secretário de Combate ao Racismo da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), Carlos de Lima Furtado, a formação docente antirracista é essencial porque “desenvolve a consciência crítica com o reconhecimento do racismo estrutural”. Ele afirma que essa capacitação “permite aos professores identificar diversas formas de discriminação e incluir no currículo a história e cultura da população negra”.
Carlos lembra que, apesar das leis já existentes, há um grande descompasso entre a legislação e a realidade escolar, especialmente em comunidades quilombolas. Como alternativa, destaca a importância da PNEERQ (Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola). Além disso, defende medidas concretas como o PDDE Equidade (Programa Dinheiro Direto na Escola – Equidade): “Esse é um importante instrumento para superarmos essa lacuna. Só o arcabouço legal não é suficiente”.
A ACP entende que a luta antirracista não é tarefa exclusiva da escola, nem tampouco apenas dos professores negros e negras. “A reeducação para as relações raciais e a luta antirracista é responsabilidade de todas as pessoas”, afirma Eugênia Portela. No contexto de MS (Mato Grosso do Sul), a pauta da diversidade deve incluir ainda os povos indígenas e a população cigana, que seguem invisibilizados e enfrentam preconceitos arraigados na sociedade e nas instituições.
Diante disso, a ACP reafirma sua atuação sindical firme na construção de uma educação pública antirracista, plural, democrática e de qualidade. Para a entidade, o racismo precisa ser enfrentado com formação, protocolos, políticas públicas e ação coletiva. Não há futuro justo e inclusivo sem compromissos concretos no presente.